Maceió é a nossa Faixa de Gaza
Moradores de Maceió têm sido obrigados a deixar suas casas em decorrência da exploração da Braskem, uma empresa petroquímica que se defende como criadora de soluções sustentáveis da química e do plástico. Destruidora de vidas, essa empresa faz de seu marketing digital uma narrativa de contos de fadas, onde serpentes, raposas, bruxas e lobos enganam suas vítimas com promessas encantadas. Lembremos que nestas estórias maravilhosas temos geralmente um universo dotado de uma moral que rege a comunidade, imaginado ao mesmo tempo como livre da tragédia injusta, pois seu criador sempre assimila o lado justo do trágico da morte, que se torna parte da natureza de todas as coisas. Por esse caminho, o desfecho ou o arremate dessas narrativas vem sempre acompanhado de um ensinamento moral que resolve o contraditório da existência.
O problema é que o contraditório da realidade vivida pelas pessoas nos bairros afetados pela Braskem em Maceió não pode ser resolvido com soluções míticas e fantásticas. E o irônico e incompreensível é que em seu site, na página principal, a Braskem afirma seus princípios humanistas e sustentáveis: “acreditamos que as pessoas nos movem adiante e esses são os nossos valores”. Com as tragédias que estão para acontecer nos territórios de sua exploração, não podemos deixar de mencionar que seu objetivo é o de nos aprisionar numa gaiola ideológica para que naturalizemos seus crimes contra a população desamparada, bem como o seu genocídio ambiental. Não é compreensível a dimensão minúscula com a qual está sendo tratada essa hecatombe biopsicossocial. Maceió é hoje a nossa Faixa de Gaza e não somos informados de quem faz o papel do Hamas e do Israel nessa ruína anunciada
A UFAL já havia alertado para os riscos de afundamento dessas casas, mas o poder público insiste em dar as costas para as informações que são de qualidade socialmente referenciada. Eis um problema de longa duração na política nacional. Lembro que em um conto escrito no século XIX, o escritor Machado de Assis já se mostrava preocupado com o modo como nossa sociedade era mestra na naturalização dos absurdos da contradição social. Em seu conto “O alienista” ele narrou essa problemática, quando nos fez perceber que a loucura era constitutiva das mentalidades que exerciam o poder na cidade de Itaguaí. Nesta, a falta de ética que reinava naquele território era efeito de cérebros mentecaptos, insanos, da mesma forma que a loucura era efeito da ruína moral que dominava o imaginário dos donos do poder religioso, político e social. Inaceitável, ao mesmo tempo fantástico, é imaginar que no estado mais colonizado do país, os semidementes, imorais ou genocidas desta “sustentabilidade” trágica fazem da realidade biossocial e ambiental desta capital alagoana uma Faixa de Gaza, interpretada e tratada como um conto de fada.