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A despolitização da sociedade é um projeto da direita

É muito comum na vida social a existência de relatos de pessoas que se revoltam contra o sistema político, contra o Estado, contra a má administração das instituições sociais. Geralmente essas falas se revelam pessimistas quanto às possibilidades de mudanças e de reformas, com asserções de que o problema é estrutural, de longa duração, que não há nada que se possa fazer. Esse processo de naturalização da ordem social é bem típico de sociedades que sofrem os efeitos da colonização da esfera pública e configura uma fonte de riqueza para a direita conservadora brasileira.
Um estudo mais aprofundado sobre o comportamento político das classes dirigentes em nosso país revelaria em que medida “a direita está comodamente instalada numa política reduzida à sua mínima expressão, que viu enormemente limitados os seus espaços pelo poder dos especialistas” (INNERARITY, 2017, p. 252). Um fator que explicaria esse processo de despolitização seria os longos anos de domínio político exercido por esses grupos, uma vez que “os insiders, aqueles que estão dentro do sistema, bloqueiam as reformas” (INNERARITY, 2017, p. 248).
Como a ordem já possui em si a mágica social da legitimidade normativa, visto que sua fonte é o direito, sua crítica é geralmente entendida como feita por aqueles que não “compreendem” a relação da realidade com a lei, ou seja, os não “competentes”, os “anárquicos esquerdistas”. O raciocínio é simples: ao recorrer ao saber dos técnicos e ao mobilizar os valores da ordem, da eficácia e da competência, a direita acusa a esquerda de apresentar uma descrição fantasiosa da realidade, utópica, tornando inviável os fins pelos quais ela luta, quais sejam, os da justiça e da igualdade.
Eis a ideologia que precisa ser combatida com base no estudo da realidade histórica, social e política brasileira. Ao desejar a redução da democracia no espaço público, a direita trabalha contra a cidadania, contra a participação política daqueles que estão fora do sistema. Com efeito, os relatos que ocultam a responsabilidade dos indivíduos na construção da ordem social, transformando seus direitos e deveres em fenômenos metafísicos e utópicos, correspondem à mais-valia simbólica dos conservadores que sonham com a plena despolitização do povo, cuja consciência é tratada como moeda de troca no jogo político que ignora a má educação ofertada pelas instituições de nossa sociedade.

Antônio Joaquim Pereira Neto
INNERARITY, Daniel. A política em tempos de indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Tradução de João Pedro George. – Rio de Janeiro: Leya, 2017.

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